sábado, 13 de agosto de 2016

O Peregrino dos Sonhos

O deserto se estendia além de sua vista. Para o andarilho ele refletia a sua solidão interior, o mundo dentro de sua própria mente, onde nada nascia e tudo era apenas areia e calor. O único sinal de água era o que saia de sua pele, na forma de suor, e o que ainda tinha na pequena garrafa térmica que levava, pendurada transpassada entre um ombro e um lado do quadril. Tampou sua boca e nariz com o tecido do lenço que lhe cobria a cabeça, seguindo seu caminho. Não havia sinal de vida em quilômetros de distância, o que o deixava angustiado. Já estava cansado de tanto caminhar. Não era de seu costume fazer uma viagem tão longa, mas por algum motivo, algo o impelia para a travessia, e por isso continuava. Havia algo além daquele deserto. Ele podia sentir. Andou até ficar cansado demais para seguir em frente. Seus pés doíam e latejavam. O desespero começou a tomar conta de si. Ele pensava que morreria. Não queria morrer. Tinha medo. Mãe, irmãos, amigos, amores. Tudo seria perdido se ele perecesse naquele lugar. E ele sabia que o que tinha de fazer era de extrema importância para salvar a todos. Avistou então uma floresta ao longe. Era densa como uma mata tropical, e isso lhe causava estranheza, pois não costumava encontrar biomas tão distintos um do lado do outro. Acreditou estar sob efeito de alguma miragem, um dos delírios provocados pela que sentia. Por isso resolveu parar para descansar. Continuaria a viagem a noite, quando seria frio. Assim que o Sol desapareceu no poente e a lua reinava no céu, o peregrino seguiu sua viagem. Logo pode ver que a vegetação ao longe não havia desaparecido, o que descartava a hipótese de ser um mero devaneio causado pelo desgaste da viagem. Cada vez que ele andava, mas perto ficava, e maiores ficavam as árvores. Sentia já que podia escutar os pássaros cantando. Sorriu e continuou. Estava próximo de seu destino final. O lugar era mais distante do que imaginava, e só chegou na beira da floresta ao nascer do dia. Mas assim que adentrou-a, já sentiu a mudança de clima do seco do deserto para o úmido tropical. A sensação de sede tornou-se menor, o ajudando a economizar a pouca água que havia no pote. Logo encontrou uma trilha, e seguiu por ela em um caminho reto. Havia várias espécies de animais pelo caminho, desde insetos até aves. Alguns herbívoros e outros carnívoros. Havia algo diferente nas árvores, mas não conseguia saber com distinção o que era. Chegou então a uma área sem árvores de grande porte, apenas gramíneas. Ao chegar ao centro, notou que a trilha por onde viera havia sido fechada por uma árvore, e agora estava cercado por elas, que formavam um círculo de cinco metros de raio. Quando o Sol ficou a pino novamente, ele percebeu o que de diferente tinha nas árvores. Elas continham espelhos em uma das faces. Primeiro apenas refletiam o que havia lá, incluindo os outros, mas depois as imagens mudavam. Parecia que cada espelho levava a um mundo diferente. A um sonho diferente. Atreveu-se a tocar em um deles. Sua textura era líquida, e ele temia que se tocasse muito ele derramasse todo o sonho sobre ele. Não obstante a isso, uma voz em sua mente lhe dizia para prosseguir, que seu destino estava além daquele portal. Então respirou fundo e entrou, fechando os olhos. Ao abri-los, viu que estava em um lugar todo devastado, destruído por uma grande guerra. Caminhou pelos corpos sentindo um cheiro que lhe dava náuseas. Sabia que tinha que achar alguma coisa ou alguém naquele lugar, só não sabia dizer quem. Algo despertava-lhe o desejo de procurar. Era uma casa destruída como todas as outras, mas algo lhe chamava a atenção. Um sobrevivente. O andarilho o conhecia de algum lugar, no mundo desperto, e seu coração acelerava ao ver a imagem dele. Era ele o dono do sonho. Em seus braços havia uma mulher pequena e fria, morta. Ele chorava sobre o seu corpo. O andarilho tirou o lenço que usava, deixando os longos cabelos castanhos claros caírem soltos. Era uma mulher, e era exatamente aquela que estava no colo do rapaz. Agora ela entendia tudo o que acontecera e porque fora mandada para cá. Ela precisava conhecer. Precisava saber. E então ela soube.

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